segunda-feira, 30 de abril de 2012

Utopia, detentos recuperados , resposta a O Fantástico Mundo de Yuri


sábado, 21 de abril de 2012


O sentido da vida e a história pessoal
Dulce CritelliTexto publicado na coluna “Outras Idéias” , Folha Equilíbrio,
“Folha de São Paulo”, de 21 de abril de 2005

Há poucos dias a TV a cabo exibiu mais uma vez o filme “Tomates Verdes Fritos” (91), de Jon Avnet. Eu já havia assistido a ele uma dúzia de vezes, mas não resisti e o vi de novo. Fico encantada com as histórias que a velha senhora conta, talvez exatamente como a dona-de-casa do filme fica encantada. Fascina-me a maneira como a senhora recria sua vida na forma de uma história repleta de significados.
A maioria de nós é capaz de se lembrar de uma série de acontecimentos de sua vida. Mas todos esses episódios são tratados como acontecimentos separados uns dos outros. Qual seria o fio que ligaria todos eles e os tornaria parte de uma única história? Essa a grande dificuldade da maioria de nós: reconhecer qual a história que se formou em nossa vida enquanto passávamos de um acontecimento a outro.
A velha senhora do filme sabe reconhecer a sua história. Ela sabe perfeitamente qual foi a vida que viveu. Sabe a personagem que foi, quem foram seus parceiros, cúmplices e seus adversários e quais foram as graças e as adversidades que lhe vieram de encontro. Sabe, principalmente, que sua história poderia muito bem ter sido outra, não fosse o amor pela amiga Ruth. Esse amor que lhe deu chão, origem e destino, que foi o principal fio que juntou os eventos de sua vida, dando a eles um sentido. Juntou-os como um fio de ouro junta pérolas e forma com elas um colar.
Além disso, a velha senhora tinha a posse de um outro dom raro, o de fazer sua ouvinte ver a personagem que ela própria fora, exatamente como gostaria de ser vista por ela.
Enquanto dizia narrar a história de uma terceira pessoa (não revelou que essa pessoa era ela própria), tomou um certo distanciamento de si mesma e teve, assim, liberdade para observar-se no cenário de sua existência.
A cada dia lhe foi possível desenhar a personagem que ela julgava ter sido e, acredito, foi descobrindo “quem” ela mesma era e qual o “sentido” da sua vida.
“Quem sou eu?” e “qual o sentido da vida?” são as duas grandes questões que nos fazemos incessantemente. As questões que temos urgência de responder, pois carregam nelas a explicação desse misterioso fato de existirmos. O equívoco comum, é o de imaginarmos que a resposta a essas perguntas vitais estejam fora de nossa própria vida, da nossa história.
O nosso nascimento é o começo dessa história; por meio dele somos lançados num mundo com um corpo, um sexo, uma família, um nome, uma condição social, um país, uma época. O sentido ou o rumo da nossa vida já veio, de alguma forma, embrulhado nele. Não ganhamos o fim da história, que só virá com a morte, mas ganhamos o início e uma certa bagagem para seguir caminho.
É disso tudo que fala a velha senhora quando narra sua história. O fato de que nossa vida forma uma história e de que podemos agir sobre ela é o que a dona-de-casa gorda e sem motivação compreende. Ao ouvir a história da velha senhora, vai revendo a sua própria e vai descobrindo que não precisava ficar presa ao rumo dos acontecimentos, mas podia intervir nele, colaborar para sua destinação.
Não podemos agir satisfatoriamente sobre aquilo que não compreendemos. É na observação do caminho que temos feito, na observação de como temos respondido aos acontecimentos que vêm ao nosso encontro, que está a chave da construção dessa narrativa. Não podemos modificar os eventos da vida, mas podemos alterar os modos de vivê-los.
O que a velha senhora sabia é que o sentido da vida está na construção da história pessoal. E que, quando somos capazes de narrá-la, estamos a ponto de ter a plena posse de nós mesmos.

terça-feira, 17 de abril de 2012

ONDE ESTIVE, ENQUANTO VIVIA A MINHA VIDA

 Onde estive, enquanto vivia minha vida?Dulce CritelliTexto publicado na coluna “Outras Idéias” , Folha Equilíbrio,“Folha de São Paulo”, de 10 de julho de 2008
Não existe forma mais clara de perceber a passagem do tempo do que encontrar pessoas que há muito não se via. Meninos que, agora, são pais e mães. Jovens pais e mães que, agora, são senhores e senhoras. Crianças, de quem a última memória é da chupeta na boca, falando de seus trabalhos e dos seus projetos.
Um susto! Foi o que vivi no casamento da filha de uma prima, na semana passada. É claro que sei quantos anos tenho, marcados no meu registro de nascimento e na contabilidade dos calendários. Mas esse cálculo dos dias e dos anos está muito longe de qualquer experiência de tempo.
Há um contraste, na verdade, entre a percepção do envelhecimento e o sentimento de vida jovem que me habita. Estranho sempre que me chamam de senhora ou quando me vejo nos vídeos e nas fotografias. E estranho ainda mais quando os olhares sedutores que me alcançam, vêm de alguém com mais de cinqüenta anos.
Difícil, em circunstâncias como essas, não nos fazermos a pergunta angustiante sobre quanto tempo já vivemos e por quanto tempo ainda podemos durar. Porque o tempo a gente mede mesmo é com a própria vida. Existe tempo porque morremos e sabemos disso.
Alguns filósofos existenciais, como Heidegger,  consideram a morte, essa companheira secreta da vida, nosso destino. “O homem é um ser para a morte”, nos diz ele.  Eu, no entanto, acredito que ela é apenas uma contingência, uma condição do nosso ser.
O espanto com o tempo já sido, já passado, deveria funcionar como um lembrete que nos tirasse da distração de que algum dia sairemos de cena. Deveria ser um estímulo para escolhermos como é melhor viver ou como emprestar à vida a nossa própria cara. Em outras palavras, como queremos gastar o tempo vivo, não que temos, mas que somos.
É o próprio Heidegger quem afirma que o homem é um tempo que se esgota, que se emprega nisto ou naquilo, que se omite, que se retrai, ou que se desperdiça.
Talvez, então, não seja só e, justamente, a passagem do tempo o que nos assombra, mas a possibilidade de termos empregado mal o tempo da nossa existência, que é única e irrepetível. O receio de termos gasto nosso tempo com o que pouco importava, com besteiras, com o que não era do nosso próprio interesse.
Essa a maior inquietação em ver que o tempo passou: a percepção da inconsciência com que vivemos os acontecimentos da nossa vida e o medo de termos desperdiçado um tempo de ser, tão precioso.
Essa é, também, a razão de eu, muitas vezes, pensando no passado, me perguntar: onde estive enquanto vivi a minha vida?