terça-feira, 17 de abril de 2012

ONDE ESTIVE, ENQUANTO VIVIA A MINHA VIDA

 Onde estive, enquanto vivia minha vida?Dulce CritelliTexto publicado na coluna “Outras Idéias” , Folha Equilíbrio,“Folha de São Paulo”, de 10 de julho de 2008
Não existe forma mais clara de perceber a passagem do tempo do que encontrar pessoas que há muito não se via. Meninos que, agora, são pais e mães. Jovens pais e mães que, agora, são senhores e senhoras. Crianças, de quem a última memória é da chupeta na boca, falando de seus trabalhos e dos seus projetos.
Um susto! Foi o que vivi no casamento da filha de uma prima, na semana passada. É claro que sei quantos anos tenho, marcados no meu registro de nascimento e na contabilidade dos calendários. Mas esse cálculo dos dias e dos anos está muito longe de qualquer experiência de tempo.
Há um contraste, na verdade, entre a percepção do envelhecimento e o sentimento de vida jovem que me habita. Estranho sempre que me chamam de senhora ou quando me vejo nos vídeos e nas fotografias. E estranho ainda mais quando os olhares sedutores que me alcançam, vêm de alguém com mais de cinqüenta anos.
Difícil, em circunstâncias como essas, não nos fazermos a pergunta angustiante sobre quanto tempo já vivemos e por quanto tempo ainda podemos durar. Porque o tempo a gente mede mesmo é com a própria vida. Existe tempo porque morremos e sabemos disso.
Alguns filósofos existenciais, como Heidegger,  consideram a morte, essa companheira secreta da vida, nosso destino. “O homem é um ser para a morte”, nos diz ele.  Eu, no entanto, acredito que ela é apenas uma contingência, uma condição do nosso ser.
O espanto com o tempo já sido, já passado, deveria funcionar como um lembrete que nos tirasse da distração de que algum dia sairemos de cena. Deveria ser um estímulo para escolhermos como é melhor viver ou como emprestar à vida a nossa própria cara. Em outras palavras, como queremos gastar o tempo vivo, não que temos, mas que somos.
É o próprio Heidegger quem afirma que o homem é um tempo que se esgota, que se emprega nisto ou naquilo, que se omite, que se retrai, ou que se desperdiça.
Talvez, então, não seja só e, justamente, a passagem do tempo o que nos assombra, mas a possibilidade de termos empregado mal o tempo da nossa existência, que é única e irrepetível. O receio de termos gasto nosso tempo com o que pouco importava, com besteiras, com o que não era do nosso próprio interesse.
Essa a maior inquietação em ver que o tempo passou: a percepção da inconsciência com que vivemos os acontecimentos da nossa vida e o medo de termos desperdiçado um tempo de ser, tão precioso.
Essa é, também, a razão de eu, muitas vezes, pensando no passado, me perguntar: onde estive enquanto vivi a minha vida?

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